Jovens internados na Fase-RS descobrem novo mundo em livros

André* tem 20 anos, estuda na sétima série do Ensino Fundamental e atualmente assina endereço na Avenida Padre Cacique, em frente ao Rio Guaíba, em Porto Alegre. A movimentação da rua, dos carros e das águas do quintal ainda é um sonho distante do jovem. Pelo menos pelos próximos três meses. Ele está morando no Centro de Internação Provisória Carlos Santos, uma das unidades locais da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (Fase-RS). Ali, ao lado de cerca de 60 outros jovens, passa o tempo lendo livros. “Agora estou com 'A Fera e outras Histórias’, do Nicolai Semionovitch Liescov”, conta, citando o autor russo.
Ao contrário do que revela a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada pelo Ibope em 2011 em todas as regiões do país, onde 85% dos entrevistados responderam preferir assistir à televisão, André representa a parcela amante das folhas em papel. A leitura ficou no sétimo lugar na preferência dos entrevistados, com apenas 28% das respostas. No Sul, a penetração de leitores diminuiu se comparada a última edição da pesquisa, de 2007, embora o grau de escolaridade seja um dos melhores do país, atrás apenas do sudeste.
Junto com outros jovens, André faz parte de um projeto de incentivo à leitura realizado pela instituição que o abriga e o Banco Social de Livros, da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul. Desde 2011, a sala de leitura do local, carinhosamente chamada de Biblioteca Dona Margarida, foi reformada, ganhando novas prateleiras, obras e computadores. Logo, passou a ser cada vez mais frequentada pelos internos. “Está sendo muito proveitoso”, comenta Ricado Joaquim Aquino, assessor em Educação da Fase-RS. “Os internos não têm o hábito da leitura e normalmente começam pelos gibis. É uma leitura inicial. A partir disso, começam a visualizar temas que se adequem com a sua vivência”, explica Aquino.

Internos participaram de inauguração
da sala de leitura, no início de 2012
(Foto: Luis Francisco Silva/ Divulgação)

A instituição foi presenteada com aproximadamente mil livros, que foram divididos entre todas as unidades do estado. “Recebemos as obras de doações, higienizamos, fazemos reparos e encaminhamos para as salas de leitura”, conta Neli Miotto, bibliotecária do Banco de Livros. Além da doação, o projeto também prepara funcionários para o desenvolvimento de ações e dinâmicas de motivação. “Eu esperava uma resistência muito maior, mas somos recebidos muito bem”, diz Neli sobre os internos. “Eles criam uma expectativa muito grande em cima do material, nos ajudam a descarregar e começam a abrir as caixas quando chegamos”.
O jovem André acredita que a leitura o ajuda a ganhar conhecimento, mas admite ter adquirido o hábito somente dentro da Fase-RS. “Ajuda muito a conhecer mais palavras. Costumo levar para o meu quarto, ler antes de dormir, depois do almoço, acordar e ler mais um pouco”, conta o jovem sobre a novidade em sua rotina. Ele é um dos poucos internos com escolaridade mais avançada. Dos 946 adolescentes, 243 estão na quinta série, sendo que 26,48% deles têm 18 anos. “Desde o ano passado liberamos para que eles levassem as obras para os dormitórios, mesmo que muitas vezes acabem rasgando, deteriorando. O importante é o contato”, fala Aquino.
Além da implantação do espaço cultural, a Fase-RS também prepara um intercâmbio entre escritores e internos. “No dia dois de maio teremos uma visita agendada com um autor. Será um bate-papo, para que ele possa falar de leitura para os adolescentes”, revela Maria Janet do Nascimento, responsável pela biblioteca da unidade Carlos Santos. O esforço, no entanto, depende também dos próprios internos. “Sinceramente, são poucos os que leem aqui”, diz André, orgulhoso de si mesmo. Pelo menos para ele, todo o dia é dia de livro.
* Nome fictício usado para preservar a identidade do personagem da reportagem. 



Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2012/04/jovens-internados-na-fase-rs-descobrem-novo-mundo-em-livros.html